segunda-feira, 29 de outubro de 2007

descanso em paz.



Morri numa quinta-feira por volta da hora do almoço.

Senti o coração explodir em tantos pedaços, que era impossível juntá-los.

Não foi uma morte súbita e inesperada,

a agonia foi lenta, dolorosa, cansativa.

Tão cansativa que o coração explodiu.

Morri relativamente cedo, relativamente nova, relativamente…

Nessa mesma noite convidaram-me para beber um café e aceitei,

Mesmo tendo já morrido, mesmo tendo já partido.

E bebi o café e olhei em volta e a maioria das pessoas era como eu,

Ou, para ser precisa e exata, tinha-me tornado igual à maioria.

E dizia as palavras que diziam, e ria quando riam,

e fingia uma alegria ou uma tristeza que não sentia.

Fixei a data da minha morte porque tudo passou a ser presente.

O tempo dividiu-se em dois,

Passado e presente,

e esqueci como se conjuga o futuro.

Todos os acontecimentos passaram a ser irrelevantes, irrisórios, insignificantes.

O passado deixou de me assombrar, como até aí tinha acontecido,

e fiquei em paz.

E comecei a descansar.

Deixei de ter expectativas, objetivos, ilusões.

Aliás, todos os meus objetivos, até aí, foram ilusões,

Ilusões porque inalcançáveis, intangíveis, grandes demais.

Tinha caminhado com os olhos postos no céu,

e tropecei em todos os obstáculos possíveis,

e caí em todas as ratoeiras que a vida armadilhou.

E por isso morri relativamente cedo, relativamente nova, relativamente…

Hoje, nem levanto os olhos, nem sequer me levanto.

Passei só a descansar.

Deixei de ler, deixei de ouvir musica, deixei de ter curiosidade, deixei de procurar…

Deixei de me interessar,

como acontece com a maioria das pessoas que conheço, ou conheci.

É confortável e pacífico este estado vegetativo,

e definitivamente, nada cansativo.

Como convém e se espera de quem morreu,

Descanso em paz.

[www.eroticidades.blogspot.com]

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