Abriu o armário. Assim o desejava, e o tinha: organizado, com cada peça que falava um pouco sobre ela e, automaticamente, sobre alguns momentos de sua vida. Tudo tão inóspito que lhe inspirava o amor. A certeza de sentimentos bem vividos, tudo com a leveza da arte, das cores... Dos sentimentos.Tudo começara como uma mera brincadeira. Quisera fazer desse ritual cotidianístico – o ato universal de vestir-se - um conto sobressalente. Algo que induzisse a idealismos e deixasse seu lado lúdico transparecer. Brincara com o uso dos vestidos, permitindo que cada um deles doasse junto com seu corpo, um pouco de sua alma.Na primeira tentativa, o vestido foi o longo, presente, imponente. Mesmo achando-se pequena demais pra usar algo tão lânguido, ofereceu seu corpo e ganhou elogios, com tonalidade e voz daquele que sempre esperara.Na vez seguinte, a beleza encurtara para perto dos joelhos, denunciando assim uma porção maior do que seriam suas coxas, marcadas por intensas nuances contrastando e realçando a cor da sua pele.A ambigüidade tomara conta da terceira vestimenta, tomando de conta também dos corpos que "dela" aproximavam-lhe (ou adentravam-lhe)... Fazendo tudo isso parecer um termômetro daquilo que se passava na realidade. E de fato seria um termômetro. E havia de subir às alturas. Porém, a cada novo encontro, a cada nova pessoa, já pressentia certo desprezo - ou seria desespero? - pela situação que estava prestes a viver, mas consentia sua atenção, sua ação e tudo que poderia vir de si mesma.Durante todo o processo, entregava-se como se nunca houvesse despossuído alguém. Como se fizesse solta, dentro da mais profunda e verdadeira liberdade. Uma dispersãozinha às vezes como num sonho, mas nada que a não fizesse voltar à realidade. Muito belo. O que julgava agora era que havia um ciclo a se fechar, e querendo mais (ou não), esperava ansiosamente transformar-se em mártir ou julgadora de suas próprias ações. Despretensiosamente aguardando pelo final. Sendo ele qual fosse.Se havia sexo ou não, pouco a importava. O que valia era o fechar das cortinas a ao final de tudo: a sensação de que cada um dos encontros possuía o desfecho como o de um verdadeiro espetáculo, sentindo e ouvindo aplausos, massagens em seu vasto ego. Depois de alguns encontros e diversos vestidos, sentia-se novamente entediada. Mas não saberia explicar se era por conta do figurino, sempre o mesmo; e que no final era o que menos importava, ou simplesmente porque se achava indigna de corromper-se com a rotina e queria derrotá-la, fazendo isso obra do seu dia-a-dia. E, ao mesmo tempo, tornando-se o verdadeiro supra-sumo da contradição. Depois de tomada a coragem, resolvera que a cor do grand finale seria o negro. Não utilizado anteriormente, pois o havia guardado para o provável e iminente fim. Cor indiferente e impostora. Hostil e acolhedora. Era perfeita para ocasião. O modelo, de acordo com as suas emoções. Nem muito curto, nem muito sufocado. Transmitiam sensação de conforto e sensualidade. Exatamente como se passava no turbilhão de dentro. Por fim, o demais das horas...
Lorena A.
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